É comum encontrarmos referências a três modelos básicos de configuração para os conselhos municipais (Carvalho et alii, 1999; Gomes, 2000), no que se refere à sua composição e, portanto, distribuição do poder interno dos conselhos: conselhos tripartites, conselhos paritários e conselhos homologados.
Considerando as experiências existentes no país, relatadas em estudos descritivos e analisadas em pesquisas, além das especificidades encontradas no caso de Ijuí, propomos uma tipologia mais completa, constituída de oito modelos: [...] A denominação paritário, ao lado de tripartite ou tetrapartite pode parecer inadequada, se considerarmos que paritário se refere a duas partes iguais. Entretanto, utilizamos paritário exatamente para significar que os usuários/beneficiários/sociedade civil garante 50% na composição do conselho, ficando os demais segmentos, ainda que não um único, com os outros 50%.
O primeiro modelo, o conselho paritário, conforme abordam vários autores (Carvalho et alii, 1999; Gomes, 2000), é aquele cuja composição é paritária entre governo e sociedade civil, cada segmento indicando metade dos conselheiros. Formalmente esta configuração aponta para um equilíbrio de poder.

O segundo modelo é o conselho tripartite, que é aquele composto por três segmentos básicos: governo, prestadores de serviço e usuários. Cada segmento indica o mesmo número de representantes, o que, em princípio, significaria um equilíbrio nas relações de poder estabelecidas na atuação dos conselhos. Entretanto, neste caso o poder dos usuários é bastante frágil, já que sua posição só seria hegemônica, se garantida a negociação com o segmento dos prestadores de serviços ou do governo. Dada a fragilidade dos usuários, seja em termos de capacitação e de informações, a hegemonia do poder no processo decisório neste caso tenderia a ficar com o governo, aliado parcialmente com os prestadores de serviços.

O terceiro modelo é o conselho tripartite/paritário. Este tipo de conselho satisfaz duas condições na sua composição. É composto por três grupos claramente definidos, ou seja, é tripartite: representações do governo, representação dos prestadores de serviço e representação dos usuários. É, por outro lado, paritário, no sentido de que o número de representantes dos usuários deve ser igual à soma do número dos representantes do governo e dos prestadores de serviço. Formalmente, neste caso, os usuários detêm a hegemonia do poder, já que o governo deve se unir aos prestadores de serviços para manter o equilíbrio de poder. Muitas vezes, os interesses dos prestadores e do governo são antagônicos, o que fortalece o poder dos usuários. Em outros momentos, os usuários podem aliar-se com o próprio governo, contra posições dos prestadores de serviços. Na prática, porém, é comum o processo de manipulação ou cooptação de parte dos representantes dos usuários, o que desequilibra esta relação de poder em favor do governo.

O quarto modelo desta tipologia é a conselho tetrapartite. Este conselho divide sua composição em quatro grupos: governo, prestadores de serviços, usuários e profissionais da área. Como vemos, permanecem os grupos do modelo anterior, com o acréscimo dos profissionais da área. Neste caso, cada segmento deteria 25% do poder decisório. Dependeria do processo permanente de negociação e de construção do consenso, sempre provisório, a hegemonia de um ou outro grupo de representantes. Em termos de tendência, poder-se-ia imaginar uma aliança entre o segmento dos usuários e o dos profissionais da área, fazendo frente aos outros dois segmentos. Entretanto, em muitos casos, os profissionais, certamente, aliar-se-iam ao segmento do governo, já que dependem do mesmo para sua atuação.

O quinto modelo é o tetrapartite/paritário. Agora, mantidos os quatro segmentos, os usuários têm metade dos membros dos conselhos, possuindo, portanto, o mesmo peso dos outros três segmentos. O fortalecimento do poder dos usuários, neste caso, é evidente, já que o governo precisa construir alianças com os segmentos dos prestadores de serviços e dos profissionais da área para equilibrar o poder com os usuários. É claro que, mesmo tendo presente que o poder dos usuários não é monolítico, que existe a possibilidade real de cooptação de parte dos representantes dos usuários, este modelo garante uma possibilidade de hegemonia mais significativa nas mãos dos usuários, conseqüentemente da sociedade civil, no processo de formulação e controle das políticas públicas.

O sexto modelo é o tipo de conselho que adota a configuração de conselho governo-sociedade, ou como é denominado por alguns pesquisadores, homologado. A característica básica deste conselho é a supremacia do governo no número de conselheiros. Conforme Carvalho et alii (1999), é a configuração que mais se assemelha de um modelo autoritário, já que, não tendo uma composição paritária, o poder é detido pelo segmento do governo, que, nesse caso, possui número maior de representantes. Conselhos com esta configuração constituem-se muito mais em espaço de homologação de políticas do que espaço de deliberação e construção de políticas. Convém fazer aqui uma ressalva. Muitas vezes a representação do governo não se restringe a representantes do governo municipal, já que, em muitos dos conselhos, há representantes de órgãos estaduais e/ou federais entre os representantes do segmento governo. Se há momentos em que os representantes do governo, independentemente do nível, atuam em bloco, há outros momentos em que os interesses são contraditórios, abrindo caminho para alianças com os segmentos da sociedade civil. Isso pode, em determinadas situações, relativizar o caráter homologatório destes conselhos. Quando o conselho exerce um papel executivo em suas ações, o que o aproxima mais do governo local, o poder da sociedade civil fica ainda mais fragilizado.

O sétimo modelo é o do conselho técnico-corporativo. Este tipo de conselho se caracteriza por uma hegemonia do poder em determinado grupo de profissionais, passando a existir uma tendência de fechamento técnico por parte do conselho. Configurações deste tipo aparecem, por exemplo, em conselhos municipais de educação. No caso de algumas leis municipais há uma garantia de que no mínimo 2/3 ou mais dos membros sejam professores. Os outros conselheiros, representam a “comunidade externa”. A expressão “comunidade externa”, constante do texto de algumas leis, já evidencia a tendência corporativa deste conselho. Diversos depoimentos de conselheiros mostram que conselhos de educação assumem este lado extremamente corporativo, procurando justificar que o conselho deve ser um ‘espaço público’, sim, mas ‘reservado para pessoas cultas, com formação pedagógica, educadores com notório saber’, não um espaço para o ‘cidadão comum’, que ‘vai apenas fazer número’, pois não vai saber o que fazer num conselho tão técnico e de caráter normativo.

Finalmente, o oitavo modelo proposto nesta tipologia é o conselho sociedade-governo ou autônomo. Este tipo de conselho caracteriza-se pela supremacia da sociedade civil na composição, o que garante, ao menos no plano formal, a hegemonia do poder concentrado na sociedade civil, criando condições mais efetivas de deliberação, de participação ativa no processo de construção de políticas públicas, no acompanhamento e controle da gestão pública. [...].
A tipologia proposta procura possibilitar o mapeamento dos diversos conselhos, no que se refere à sua composição e à distribuição do poder. Isto é importante, pois a composição, ainda que não garanta efetivo funcionamento dos conselhos, é um dos elementos cruciais a um melhor desempenho e efetividade de suas ações. [...].
Fonte: artigo de Sérgio Luís Allebrandt sobre os Conselhos Municipais: potencialidades e limites para a efetividade e eficácia de um espaço público para a construção da cidadania interativa.