16 de ago. de 2010

O artigo: caráter deliberativo ou consultivo

É possível abordar a questão do caráter deliberativo ou consultivo na ótica da partilha de poder político. A existência de conselhos municipais, que realmente funcionem, sejam eficientes, eficazes e qualifiquem a gestão pública, supõe a divisão de poder com o governo local. Trata-se, segundo Daniel (1994, p. 30), da partilha do poder político entre Estado e sociedade, que ocorre através da participação da sociedade na gestão pública. “Há uma diferença de qualidade entre espaços de deliberação e consulta que não pode ser subestimada”, ainda que o nível de decisões seja circunscrito ao âmbito no qual estas decisões são legítimas. Entretanto, em muitas situações em que esteja presente apenas o caráter consultivo, também ocorre a partilha de poder:
(...) São os casos, por exemplo, de audiências públicas democráticas ou processos de consulta ou fiscalização sobre ações de governo em canais formais, em reuniões ou assembléias em bairros e entidades, com a presença de um representante do governo. Em geral, o resultado é que o prefeito e seus auxiliares tendem a assumir, nestes espaços, compromissos públicos junto à população. (Daniel, 1994, p. 30)
É necessário levar em conta que os governantes locais são eleitos periodicamente a partir de disputas em torno de propostas/projetos diferenciados para os municípios. A legitimidade dos eleitos impõe-lhes o dever de conduzir o governo local. Portanto, mesmo que a divisão do poder com a sociedade seja permitida e recomendada, ou, em alguns casos, até obrigatória, não se pode esperar que o governo local delegue todo o processo decisório para a sociedade.
Raichelis (2000) afirma que o caráter deliberativo dos conselhos da década de 90 é a novidade em relação aos conselhos anteriores. Segundo ela, é preciso aprofundar o debate sobre o caráter deliberativo, já que não é a existência dos conselhos que incomoda os governos, mas sim a natureza de suas atribuições, o caráter deliberativo garantido legalmente. Soares e Gondim (1998, p. 87-8) lembram que, segundo algumas análises, os conselhos, muitas vezes concebidos como um poder paralelo ao do Estado, tendem a esvaziar não só o legislativo local, mas também o Executivo, já que este deve dividir o poder decisório com os conselhos deliberativos. Pode ocorrer “uma perigosa confusão do interesse público com interesses privados ou corporativistas”. Por outro lado, como mostra Bonfim (2000), mesmo sendo deliberativos do ponto de vista da legislação, mesmo que os conselhos deliberem sobre recursos e programas a serem executados, o governo não necessariamente executa estas deliberações.
Caccia-Bava (2001, p. 38-9) reforça que “o espaço e o tempo da deliberação são essenciais pois é nesta ocasião que é possível passar de um simples agregado de opiniões para construir um julgamento verdadeiramente cidadão”, pois a deliberação é o “momento de tensão que aponta no sentido da construção do interesse geral, ou do interesse público”. Esse é um processo que necessita de informações, de avaliações, de colaborações de especialistas e, especialmente, diria, de argumentações diversas e contraditórias. Entretanto, Teixeira (2000a, p. 94) alerta que não se deve encarar a questão da deliberação apenas pelo seu aspecto formal, pois “se não temos pressão social, obviamente o caráter deliberativo não tem força e não se realiza”. Mesmo quando os conselhos tomam decisões compatíveis com os interesses da comunidade, estas só são executadas quando não contrariam os interesses do governo ou do poder dominante.
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Fonte: artigo de Sérgio Luís Allebrandt sobre os Conselhos Municipais: potencialidades e limites para a efetividade e eficácia de um espaço público para a construção da cidadania interativa.

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